Sucesso do BIM está ligado a organização e padronização de informações de projeto – entrevista com a engenheira Kalindi Duarte

Em 2018, a engenheira Kalindi Duarte recebeu a missão de implementar o BIM na Dimas Empreendimentos Imobiliários. O desafio foi cumprido com a utilização de metodologias ágeis e foco no desenvolvimento e padronização de processos, nomenclaturas e modelo de comunicação entre áreas e com projetistas.

Engenheira Kalindi Duarte, da Engrena BIM, falou sobre os desafios que a metodologia enfrenta para ganhar escala no Brasil

O pioneirismo na metodologia levou à criação da Engrena BIM, empresa de coordenação e compatibilização de projetos com foco em BIM.

Tivemos a oportunidade de conversar com ela sobre o status atual do BIM no Brasil, desafios relacionados a ganho de produtividade, a percepção de valor que contratantes e projetistas têm acerca da metodologia e o que esperar para os próximos anos.

Confira!

A partir da sua observação e experiência, como você entende que o BIM tem avançado no Brasil?

Um pontapé muito importante para o setor público são as normativas que exigem BIM em todas as contratações. Inclusive, vi alguns editais em que ninguém se candidatou porque não conseguia atender aos requisitos. Em relação ao setor privado, ainda há um contraste muito forte entre as regiões do país. Tenho projetos espalhados pelo Brasil e vejo que em Florianópolis e região o BIM está mais difundido. Aqui, muitas construtoras nos contratam logo no começo para já iniciar o projeto em BIM. Mesmo em São Paulo, que temos como parâmetro de mercado para o resto do Brasil, hoje todos os meus clientes trabalham em CAD ainda. Temos funcionários em Minas Gerais e Bahia que comentam que não se fala em BIM por lá e muitas vezes, nem a compatibilização é feita, mesmo que seja em CAD.  

Você entende que as regiões em que o BIM ainda não se difundiu não entenderam a proposta da metodologia?

O mercado falou muito do BIM de forma superficial, como se fosse o solucionador de tudo. Então, muitos profissionais veem potencial e resultados no BIM, mas falta conhecimento para entender que é necessário um amadurecimento de vários processos dentro da empresa para absorver a metodologia. E essa etapa anterior é muito morosa e envolve muitas pessoas que, inevitavelmente, estão em estágios de maturidade diferentes em relação ao BIM. Para chegar na extração de quantitativos com um clique que o contratante almeja, é preciso existir padrões construtivos e organização de informações. É bastante complexo promover essa mudança de mentalidade dentro das empresas. 

De forma geral, você entende que o mercado está atrasado ou está onde deveria com relação ao BIM?

Entendo que estamos dentro do esperado porque é um processo complexo. Há várias frentes como o Governo, instituições como o CREA que estão fazendo movimentos, fomentando para que o mercado tenha uma evolução. 

Desde quando comecei implementando o BIM na Dimas Construções em 2018, eu vi a evolução em Florianópolis. Antes não havia projetistas como existem hoje e há muitas construtoras investindo em BIM. O mercado com um todo amadureceu. Na nossa região o processo de modelagem e visualização 3D está superado, o desafio do momento é incluir as informações dentro do modelo, para que possamos alcançar novos patamares. 

Nossos debates têm evoluído em profundidade e entendimento da entrega de valor?

Acredito que ainda falta um pouco da profundidade, pois muitas pessoas falam apenas do potencial do BIM, do que funciona e dá certo, mas não do que precisa ser feito e de todos os problemas que acontecem até dar certo. Muitos diretores e donos de empresa que só veem o BIM em palestras têm a falsa ideia de que tudo se resolve muito fácil e não é bem assim. Falta profundidade ao debate, pois é algo novo para todo mundo e a superficialidade gera muitas incertezas no entendimento que dificultam o processo. Por outro lado, quem já tem processos mais amadurecidos têm tido entregas de valor importantes não apenas em visualização 3D, mas também em quantidade e qualidade de informações para a equipe de obra. De toda forma, precisamos lembrar que nosso mercado tem ciclos longos, com projetos que demoram de um ano e meio a dois e obras que levam três a quatro anos. No total, são até sete anos para começar a retroalimentar a dinâmica dentro da empresa.

Então ainda vai levar algum tempo até o mercado perceber o valor que o BIM agrega aos projetos, à execução e à operação dos empreendimentos?

Atualmente, o que mais se trabalha em BIM é compatibilização e visualização 3D. Há alguma coisa em orçamento, como extração de quantitativos, mas, para planejamento em obras residencial não vejo quase nada. Talvez para obras industriais o avanço seja um pouco maior, mas em residenciais não vejo a utilização do planejamento vinculado ao modelo. Inclusive, este é um aspecto que, no meu entendimento, o mercado vende como sendo a situação ideal do uso do BIM, mas sobre o qual vejo que temos um longo caminho pela frente ainda, não vejo ganhos reais e práticos, que se encaixa nos cronogramas das empresas. Já tive muitas discussões sobre isso e continuo um pouco cética com a parte de planejamento em BIM. Já os aspectos de uso e operação têm uma dinâmica bem diferente, que exigem capacitação específica e que ainda não me parecem disponíveis para os times responsáveis. Vejo o BIM ainda muito com a equipe de projetos e obra.

O que é mais valorizado nos projetos que você desenvolve?

Com certeza, o desenvolvimento de soluções técnicas e a assertividade dos projetos. Claro que, de forma geral, o mercado espera que o BIM seja capaz de trazer soluções para todos os aspectos de projeto e totalmente imunes a erros, o que não existe. É uma evolução contínua, com uma longa curva de aprendizao e problemas que podem existir desde o projetista até o gerenciamento. Ainda assim, já observamos ganhos significativos por conseguir, em muitos casos, enxergar dificuldades de execução ainda no projeto. Ou seja, com o BIM conseguimos antecipar a complexidade de executar ou dar manutenção em pontos previstos em projeto. Essas visões são muito valorizadas e vêm até antes do clash detection, que ganhou notoriedade no mercado, mas que eu coloco como secundária na ordem de prioridades porque o desenvolvimento da solução técnica adequada é muito mais importante.

O que você tem visto como inovador em tecnologia para BIM?

Antes de pensar no novo prefiro focar no básico bem feito, que ainda apresenta muitas dificuldades. De qualquer maneira, vejo a realidade virtual com um grande potencial até para levar um outro nível de entendimento de projeto para os clientes. Tem um grande valor potencial poder colocar o diretor de uma empresa para, com óculos de realidade virtual, caminhar em um empreendimento e entender como vai ficar, na prática, o que ele contratou. Isso causa um impacto positivo importante e dá confiança para a pessoa fazer o que precisa. Merecem destaque também os gêmeos digitais, as possibilidades de extrapolar o BIM para o uso e operação, assim como a aplicação da metodologia para geração e disponibilização de informações, pois os modelos ainda estão muito voltados para modelagem, volumetria. Esse é um ponto muito importante, pois é dessa extração de informações que vêm os orçamentos e quantitativos de projeto.

O que podemos esperar para os próximos anos?

Aposto em uma crescente cada vez mais intensa de geração e disseminação de conhecimento. Estamos num estágio em que o BIM ainda está bem cru, com incontáveis oportunidades de trabalho. Pensando no Brasil com um todo, ainda há poucas pessoas que trabalham com BIM, o que indica haver um campo enorme a ser explorado para promover o desenvolvimento e amadurecimento da metodologia.

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