Mulheres na construção: por que metade da força de trabalho está fora da obra?

Você já reparou que há bem poucas mulheres na construção no Brasil?

Quando há mulheres na obra, em geral elas estão dedicadas a tarefas administrativas. Também é um pouco mais comum ver mulheres trabalhando como engenheiras ou arquitetas.

No entanto, para atividades de construção, como assentamento de blocos, aplicação de argamassa e execução de contrapiso, por exemplo, é muito raro haver mulheres alocadas.

Apenas para se ter uma ideia, hoje em dia apenas cerca de 10% dos trabalhadores dentro de um canteiro de obras são do sexo feminino.

Nesse texto, vamos falar um pouco sobre essa situação e também sobre se faz sentido estimular que mais mulheres trabalhem em obra.

Antes, gostaria de contar por que esse tema se tornou tópico de um texto do blog da Grua Insights.

Por que há poucas mulheres em canteiros de obras?

Essa pergunta surgiu quando conheci o admirável trabalho de Bia Kern frente ao Instituto Mulher em Construção. Criado em 2006, o Instituto tem a nobre missão de “Capacitar a mulher no trabalho da construção civil, visando resgatar seus valores, direitos e independência econômica”.

Um outro ponto que me chamou muito a atenção foi a capacidade do Instituto de mobilizar trabalhadoras. Durante a conversa, a Bia Kern me contou que, há pouco, foi chamada para preencher 18 vagas de trabalho abertas por uma das maiores construtoras do Brasil.

Embora a construtora estivesse com bastante dificuldade de conseguir atrair trabalhadores para ocupar as oportunidades de trabalho abertas, o mesmo não aconteceu com o Instituto. Tão logo a oportunidade foi divulgada pelo time da Bia, mais de 800 mulheres fizeram fila em frente ao Instituto, que oferecia o treinamento necessário para exercer as atividades.

Vagas de um lado, trabalhadoras de outro

Como sabemos, a situação da construção civil em 2024 é de convivência com uma acentuada escassez de mão de obra qualificada. E as estimativas indicam que o problema tende a ficar ainda mais evidente em um ou dois anos.

Tanto é que um empreiteiro afirmou que tem mantido uma expectativa de crescimento bastante moderada para a sua própria empresa. Isso mesmo com o setor demonstrando otimismo para os próximos anos, já que a tendência é de que as taxas de juros caiam no Brasil. Com isso, a atividade econômica deve ganhar velocidade e, com isso, a demanda por unidades habitacionais e outros tipos de obra. Ou seja, vai haver mais demanda por mão de obra.

O motivo para não projetar um crescimento para sua empreiteira tão acelerado quanto o do próprio setor de construção? A resposta para essa pergunta é simples. 

O empreiteiro tem consciência de que não tem como atrair e capacitar mão de obra em velocidade suficiente para acompanhar um mercado em expansão. Afinal, mesmo agora a contratação de mão de obra para a construção tem sido um desafio constante. E, atualmente, o setor tem convivido com taxas de juros altas. Com isso, os lançamentos estão abaixo da média dos útimos dois anos e, portanto, o setor está apenas entregando o que foi lançado.

Na prática, o empreiteiro está, nesse momento, com 300 vagas abertas e muita dificuldade de fazer as contratações necessárias.

Caso a demanda do empreiteiro fosse conectada com a capacidade de atração, treinamento e contratação de mão de obra feminina do Instituto Mulher em Construção, o problema teria uma solução mais simples.

Apenas as candidatas às dezoito oportunidades anunciadas no exemplo que a Bia deu seriam mais do que suficientes para preencher todas as vagas do empreiteiro.

Como contratar mais mulheres na construção?

Há uma quantidade considerável de entraves que dificultam a contratação de mão de obra feminina para canteiros de obras. O primeiro deles, com certeza é fazer os contratantes entenderem que contratar mulher para a construção é uma possibilidade que pode e deve ser considerada. Atualmente, muitas das construtoras, empreiteiras e instaladoras contratantes sequer consideram a mão de obra feminina uma possibilidade.

Podemos ver, então, que a mudança exige romper paradigmas. E um dos primeiros pontos que precisam ser observados com atenção diz respeito ao capacitismo relacionado à força física. Ou seja, a crença de que mulheres não podem trabalhar em obra porque não têm força para carregar materiais pesados, como sacos de cimento.

A realidade é que não importa qual seja o gênero, mas o fato é que peso excessivo gera muitos tipos de lesóes graves em qualquer ser humano. Isso significa que ninguém deveria estar sujeito a tarefas dessa natureza dentro de um canteiro de obras.

Para escapar do atraso que ainda faz com que a construção seja uma atividade extremamente dependente de mão de obra as construtoras precisam começar a investir em equipamentos. Isso ajuda no transporte de cargas, que ganham em segurança e velocidade. Ou seja, ajudam na produtividade. Afinal, qualquer empresa que ainda conta com a capacidade humana de carregar peso como fator de produtividade está mais atrasada do que pensa. É preciso mudar essa mentalidade.

Quais tarefas podem ser feitas por mulheres na construção civil?

Outro ponto de atenção é a tendência de escalar mulheres só para trabalhos de acabamento e limpeza. Essa é uma realidade baseada na crença de que as mulheres são mais cuidadosas e detalhistas do que os homens.

Novamente, temos um problema relacionado à lógica desse pensamento. E esse problema não está relacionado à questão do gênero.

Vamos ver um exemplo para entender com mais facilidade?

Em um canteiro de obras qualquer, vamos pegar os trabalhadores e dividir em dois grupos aleatoriamente. Vamos imaginar que, ao realizar o mesmo tipo de tarefa, um dos grupos foi muito melhor do que o outro. As tarefas foram executadas mais rapidamente e com muito mais capricho e qualidade do que o outro grupo. Além disso, a limpeza e a organização do espaço foram um destaque ao longo de toda a atividade.

Qual grupo merece mais atenção para resolver problemas? Certamente, o grupo menos caprichoso, certo?

É ele que deveria estar preocupado em atingir o mesmo nível de qualidade em qualquer que seja a atividade a ser realizada. E o grupo caprichoso deveria receber mais oportunidades de disseminar as boas práticas em outras frentes de trabalho.

O problema do assédio

Ao analisar a qualidade com que as mulheres realizam as tarefas, é preciso levar em conta as variáveis que as afetam no dia a dia de trabalho.

A própria questão do capricho, por exemplo, pode ser analisada com um olhar crítico. Afinal, todas as pessoas são capazes de realizar atividades com esmero. Por que, então, apenas as mulheres se destacam nesse sentido?

É claro que pode ser mérito da qualificação. No entanto, também pode ser efeito de algum tipo de pressão que pune erros cometidos por mulheres com mais severidade.

Antes de pensar que se trata de um exagero, pense comigo.

Não podemos negar que há preconceitos e assédios diversos contra mulheres em obra, certo?

Isso significa que, se uma delas fizer algo com o nível de capricho médio do operário brasileiro do sexo masculino, ela não dura uma semana. Afinal, o nível de qualidade médio dos trabalhadores é muito baixo. Assim, uma mulher que queira aproveitar a oportunidade de trabalhar em obra precisa superar a entrega da maioria dos homens. Na prática, uma mulher em obra precisa provar seu valor de forma muito mais frequente que um homem.

Isso também é uma forma de assédio e precisa ser combatido pelas lideranças que querem mulheres em obra.

Para resumir

O Instituto Mulher em Construção pode nos ajudar a dobrar a oferta de força de trabalho para a construção civil. Mais que isso, o trabalho do instituto é importante até mesmo para mudar a estrutura de organização da construção civil.

Ao qualificar as trabalhadoras, o instituto impede que o setor continue apelando para mão de obra barata e marginalizada. Como consequência, estimula o setor a superar os padrões construtivos e níveis de qualidade questionáveis atuais. Também leva a uma revisão sobre as mesmas relações de trabalho perniciosas que nos trouxeram até aqui.

Por isso, o setor como um todo deve aproveitar a oportunidade de contar com mais mulheres dentro dos canteiros de obras. Além de ajudar a superar o problema da escassez de mão de obra, ter mulheres operárias no canteiro é uma maneira de estimular a mudança de paradigmas que há décadas têm impactado negativamente o setor.

A Grua Insights acredita que as mulheres vão levar a construção a subir alguns degraus!

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